FISIOLOGIA VETERINÁRIA: RECÉM-NASCIDOS



Generalidades - O momento do parto é um dos momentos de grandes modificações fisiológicas para o recém-nascido, tendo em vista que deixa a vida fetal e ambiente uterino para ingressar em um ambiente extremamente hostil. Dentro do útero sua fisiologia é completamente diferente daquela do meio exterior, quando deixa um ambiente bem protegido para sofrer todo o tipo de estímulo externo. Talvez este seja o momento em que o organismo animal sofre as maiores transformações e agressões ambientais. A adaptação ao "meio externo" requer grandes modificações na fisiologia adaptativa do novo ser, bastando imaginar a sua temperatura intrauterina é muito maior do que a ambiental (na maior parte das vezes) principalmente se o animal nasce em lugares frios, no inverno ou sem abrigo. Tais variações podem variar entre as diversas espécies, pois, há animais que nascem protegidos (bebês de maternidade) e há aqueles que nascem ao relento animais silvestres, bezerros em pastagens). Há, na verdade, uma preocupação maternal em dar à cria um local mais protegido possível como é o caso de aves que preparam ninhos protegidos, animais que dão à luz em cavernas protegidas e coelhas que preparam se "ninho" com pelos que vão depositando no local da parição.

Características dos recém-nascidos - Existe um certo grau de desenvolvimento do animal ao nascer e que é característico da espécie, fazendo com que o recém-nascido possa ser mais ágil ou mais desenvolvido em seus movimentos logo após o parto. Desta forma temos animais que se locomovem poucos minutos após o nascimento, mama e consegue acompanhar a fêmea ou comunidade familiar (grupo mais velho ou família). Outros são extremamente indefesos, não se locomovendo, podendo levar muito tempo para se locomover sozinho (como a espécie humana - 10 a 11 meses de idades), Há os intermediários que se locomovem com certa dificuldade e têm seus olhos fechados durante certo tempo como cães e gatos e até mesmo ratos e camundongos que permanecem em ninhos por algum tempo. Exemplos de animais que têm boa agilidade e mobilidade ao nascer estão os ovinos, os bezerros, os potros e as cobaias ( Cavia ); em seguida vem os suínos e as aves, seguidas dos cães e gatos. Os ratos e camundongos têm menos maturidade ao nascer do que os anteriores. É bem verdade que quanto mais imatura maior é a tolerância às variações, pois caso contrário morreriam com muita facilidade e as células corporais parecem mais tolerantes. Mesmo assim todos os recém-nascidos devem, receber atenção materna e até do homem quando os cria, pois devem ser bem protegidos e alimentados. Aparentemente um dos elementos que nascem com baixa maturidade é o hipotálamo que tem dificuldades em manter a termo-regulação em níveis adequados. 

Aparelho cardiovascular - O cordão umbilical é o meio de comunicação entre a mãe e o feto que se alimenta através dele usando o sangue que vem da placenta. Esta serve para transferir os nutrientes que o feto necessita e em casos os anticorpos em proporções variáveis (zero em bovinos e quase total em seres humanos). O cordão umbilical se dirige ao fígado e após o nascimento ira se transformar no ligamento hepático (que liga o umbigo ao fígado). Outro aspecto da vida fetal é a comunicação entre câmaras cardíacas (forame oval) o que faz com que o sangue circule livremente pelo coração sem ser oxigenado via hematose (a oxigenação é placentária). Apesar de  tais problemas relacionados ao oxigênio observou-se que de alguma forma o teor de oxigênio e maior no cérebro do que no cordão umbilical o que parece uma forma de concentrar o referido gás no sistema nervoso por questões de maior taxa de uso do que em outros tecidos fetais.

O forame oval normalmente se fecha no recém nascido, ou horas antes do parto (dependendo da espécie) : há uma variação entre espécies e sem explicação lógica; nos potros  se fecha em algumas horas pós-parto enquanto que nos ovinos pode demorar até uma semana para fechamento total. Outro local de comunicação entre sangue venoso e arterial, no feto, é o chamado ducto arterioso que estabelece conexão entre artéria aorta e artéria pulmonar. Nos adultos o fechamento de tal ducto conduz a um ligamento que une as duas artérias e passa a se denominar ligamento arterioso. Há possibilidade de não fechamento do forame oval tanto quanto do ducto arterioso o que gera uma patologia pela mistura do sangue arterial com o venoso. No coração o problema é grave pela diferença de pressão entre os dois átrios e grande volume de sangue que se mistura nas câmaras cardíacas. Tal mistura faz cair a tensão de oxigênio (pela mistura dos sangues) e prejudica a oxigenação dos tecidos corporais promovendo certo grau de cianose labial, mucosas e extremidades (unhas e extremidades digitais nos humanos). 

No caso do conduto arterioso a pressão do sangue na aorta é maior do que na artéria pulmonar e quando ocorre fluxo nas duas, a tendência do sangue é fluir da aorta para a pulmonar em virtude da maior pressão; assim, não há passagem de sangue venoso para a aorta. De qualquer forma tais defeitos pós-parto podem levar a uma ausculta cardíaca fora do padrão (presença de "sopro" cardíaco)que pode perdurar até cerca de 10 a 15 dias em recém-nascidos de ovinos, equinos e bovinos (o que se considera, até certo ponto, normal).

Outro aspecto dos recém-nascidos é que durante a vida fetal há uma reserva de hemoglobina que pode chegar a ser três vezes maior, por Kg de peso, do que nos adultos da espécie (coelhos e gatos). O mesmo acontece com o ferro que se apresenta com reserva hepática bastante alta, com exceção de suínos, gerando nos recém-nascidos uma anemia denominada "anemia ferropriva dos leitões". Há animais recém-nascidos que não evidenciam hemoglobina do tipo fetal (equinos e suínos) enquanto é comum nos seres humanos, caprinos, ovinos e bovinos.

Aparelho respiratório - O aparelho respiratório do recém-nascido inicia sua função quando se corta o cordão umbilical e em seguida falta oxigênio para os tecidos. Em geral os animais fazem algum esforço respiratório  (como o choro dos humanos) e ocorre um ingresso forçado de ar nos pulmões e que vão representar o chamado "ar residual" nos pulmões adultos pelo fato de dilatar os alvéolos que até então se encontravam colabados (colapso). Aparentemente os pulmões também entram em funcionamento pelo fato do corte com o cordão umbilical aumentar a tensão de CO 2  e estimular o centro respiratório (bulbar); outra enfermidade gerada a nível pulmonar é a deficiência da substância denominada surfactante que forra internamente os alvéolos. Tal substância é a dipalmitoil-lecitina (um fosfolipídio) que permite a passagem dos gases respiratórios, oxigênio e gás carbônico, através das paredes alveolares. Sua ausência conduz a uma enfermidade letal em poucas horas e é denominada "doença da membrana hialina"; aparentemente esta falta de surfactante se deve à uma deficiência de cortisol materno-fetal para amadurecimento de vários tecidos fetais, inclusive do aparelho respiratório.

REGULAÇÃO DA TEMPERATURA: Os animais podem nascer com  grau variável de "maturidade"de seus sistemas, entre eles o sistema nervoso. O hipotálamo que controla diversas funções orgânicas, entre elas a termorregulação, pode apresentar graus variáveis de maturação ao nascimento. Assim, o controle da temperatura corporal pode não ter o mesmo grau de  precisão quando se compara um recém-nascido com um  animal adulto; em outras palavras podemos dizer que alguns recém-nascidos são como os animais pecilotérmicos, ou seja, suas temperaturas podem sofrer mais com as variações ambientais do que os adultos mamíferos.Outros sistemas também se encontram menos capazes do que os de adultos; assim é com a digestão, o metabolismo hepático, a sensibilidade aos medicamentos, ao armazenamento do glicogênio, e outros que de forma direta ou indireta se relacionam com o metabolismo e temperatura.

A gordura parda é um tipo especial de depósito lipídico que se apresenta em regiões estratégicas, mas, principalmente na região dorsal do corpo. Sua principal diferença fisiológica é a maior sensibilidade à mobilização e "queima" gerando calor quando há necessidade. Um dos hormônios que mobiliza tal gordura é a adrenalina promovendo aumento da temperatura corporal. O ser humano também nasce com esse tipo de gordura, mas, vai perdendo seu depósito à medida que o indivíduo cresce, restando apenas resíduo pequeno; os animais de lugares frios como os que vivem nos pólos apresentam tal tipo de gordura por toda a sua vida, pois, ela além de ser mais energética, responde mais rapidamente aos estímulos para sua liberação e assim o efeito protetor calórico é mais eficaz.

Calefação : Qualquer recém-nascido, por mais resistente que seja, necessita de proteção contra o frio e contra correntes de vento. Assim, sempre haverá necessidade de boa calefação do ambiente, com piso adequado       ( não ser muito absorvedor de frio) que pode variar de acordo com o tipo de animal e a disponibilidade do produtor. De qualquer forma, os pisos de madeira (p.ex.) são melhores do que o de cimento em bezerreiros ou baias para leitões. O uso de palha também aquece , mas, deve ser trocada constantemente devido às descargas de urina e fezes (por causa da absorção fácil). As paredes laterais também são importantes por refletir o calor excessivo ou evitar os ventos "encanados"; o mesmo acontece com  a forração (teto) do abrigo, pois telhas de amianto são muito mais calóricas do que as de barro; além disso a pintura com cor clara pelo lado externo (branco p.ex.) e em preto pelo lado de dentro "refresca" o ambiente. 

Hipoglicemia dos leitões : Em algumas raças de suínos ocorre uma hipoglicemia pouco tempo após o nascimento o que leva os animais à morte; assim, em tais animais é importante a adição de açúcar (glicose) à água de bebida dos mesmos. Há alguns anos se acreditava que o problema atingisse a todos os leitões, porém, hoje se sabe que há transferência genética (racial). A hipoglicemia produz uma queda de temperatura que se torna incompatível com a vida dos animais.

Água corporal : A água é um dos componentes orgânicos extremamente importante para sobrevivência dos seres vivos. Seu conteúdo abriga os minerais (eletrólitos) dissolvidos e mantém uma concentração que não pode sofrer grandes variações ou por tempo prolongado. Por exemplo, a concentração de sódio ( Na+), cloro (Cl¯ ) potássio ( K¯ ) estão envolvidos diretamente com o impulso nervoso além do cálcio que também tem papel fundamental em várias funções celulares e no líquido extracelular. Os animais quando nascem apresentam maior teor de água corporal do que os adultos e por isto mesmo são mais sensíveis à desidratação e sua superfície corporal relativa é maior do que nos adultos. Por exemplo, os equídeos ao nascer chegam a ter 90% de água corporal, enquanto que os adultos de várias espécies apresentam teores de água desde 62% até 70%. Por tal motivo não deve faltar água "ad-libitum" para os animais e no caso de desidratação não esquecer de repor a água e eletrólitos ( a água pura, sem eletrólitos, pode ser fatal pelo desequilíbrio hidroeletrolítico).Alguns animais como o camelo e os jumentos podem ser mais resistentes à desidratação do que outros animais em virtude de condições especiais de seu meio interno ( não é por causa das corcovas, como se propala, que forneceria água a partir da decomposição das gorduras ali existentes; lembrem-se que jumentos não têm corcovas).A quantidade de água a ser ingerida deve ser mais ou menos igual ao que o animal perde por várias vias (diurese + suor + fezes e outras menos importantes).

Colostro : Os animais, em sua grande maioria, ( p. ex. bovinos, equinos, suínos, caprinos) têm placenta impermeável aos anticorpos e, assim, não há transferência dos mesmos para os embriões durante a gestação. Alguns apresentam transferência em pequena quantidade e são complementados pelo colostro (cães e gatos); outros animais tem boa transferência placentária e a complementação via colostro é mínima (ratos, seres humanos e camundongos). Assim, a importância do colostro para recém-nascido vai desde pouco importante até muito importante. Nos animais que se utilizam do colostro para sua proteção ocorrem dois fenômenos paralelos muito importantes: o intestino dos recém-nato é bastante permeável nas primeiras 24-48 horas de vida o que facilita a entrada dos anticorpos que entram com o colostro (primeiro "leite" produzido pela fêmea) que sempre permanece sendo produzido por cinco a sete dias (embora só possa ser usado no prazo já citado). Os anticorpos provém das glândulas mamárias das fêmeas, por transferência do sangue para as mamas ou podem ser produzidos pelas próprias mamas (dependendo do tipo de anticorpo). Outro elemento favorável à transferência e uso dos anticorpos é a ausência de enzimas digestivas nos recém-nascidos nas primeiras horas de vida, pois suas presenças levariam à digestão dos anticorpos por sua natureza química (proteínas). Após o período inicial (até 48 horas) ocorre uma impermeabilização das paredes intestinais evitando a absorção de grandes moléculas com o os anticorpos. Tal impermeabilização se denomina "fechamento intestinal.

(* maiores detalhes na fisiologia das glândulas mamárias ).

Prof. Newton da Cruz Rocha - http://www.uff.br/fisiovet

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